segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vindima

Descobri que um dia de vindima pode ser pretexto para derivações várias:

- Confirma-se o dito popular: muita parra, pouca uva. Pelos vistos, a folhagem excessiva impede que o sol penetre e que o fruto cresça. Pois.
- O excesso de parra reclama muita atenção ao colector, que corre o risco de deixar para trás cachos válidos, escondidos sob camadas verdes. Pois.
- Por vezes, há cachos verdadeiramente desafiantes: as gavinhas enclavinham-se nos ramos e obrigam a persistência e delicadeza na colheita para salvar a integridade do fruto. Pois.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Faltas & sobras




Ninguém está satisfeito,
há sempre qualquer coisa que falta ou que sobra.


Mario Vargas Llosa, Conversa n’ A Catedral, D. Quixote, 2009, p. 339

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Elogio del Horizonte

Elogio del horizonte (1990), escultura de Eduardo Chillida, Gijón

Seguimos pela linha da praia e fomos subindo, com as águas safíricas por companhia. Lá no alto, uma estrutura insólita aguçou a curiosidade e o passo. Sólida, colossal, estrategicamente posicionada frente ao infinito. E ali perto, gravadas na pedra, as palavras do escultor, Eduardo Chillida:

Creo que el horizonte, visto de la forma que yo lo veo, podría ser la pátria de todos los hombres.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

El Maestro

Em tempo de regresso às aulas, emocionei-me com um conto do escritor galego Manuel Rivas acerca da fascinante viagem de aprender sobre as coisas da vida e acerca da importância dos mestres-companheiros de jornada. Fica apenas um aperitivo, mas garanto que vale muito a pena lê-lo integralmente, aqui.

El modo que tenía don Gregorio de mostrar un gran enfado era el silencio. «Si ustedes no se callan, tendré que callar yo».
Y iba cara al ventanal, con la mirada ausente, perdida en el Sinaí. Era un silencio prolongado, desasosegante, como si nos dejara abandonados en un extraño país. Sentí pronto que el silencio del maestro era el peor castigo imaginable. Porque todo lo que tocaba era un cuento atrapante. El cuento podía comenzar con una hoja de papel, después de pasar por el Amazonas y el sístole y diástole del corazón. Todo se enhebraba, todo tenía sentido. La hierba, la oveja, la lana, mi frío. Cuando el maestro se dirigía al mapamundi, nos quedábamos atentos como si se iluminara la pantalla del cine Rex. Sentíamos el miedo de los indios cuando escucharon por vez primera el relincho de los caballos y el estampido del arcabuz. Íbamos a lomo de los elefantes de Aníbal de Cartago por las nieves de los Alpes, camino de Roma. Luchamos con palos y piedras en Ponte Sampaio contra las tropas de Napoleón. Pero no todo eran guerras.
Hacíamos hoces y rejas de arado en las herrerías del Incio. Escribimos cancioneros de amor en Provenza y en el mar de Vigo. Construimos el Pórtico da Gloria. Plantamos las patatas que vinieron de América. Y a América emigramos cuando vino la peste de la patata.
«Las patatas vinieron de América», le dije a mi madre en el almuerzo, cuando dejó el plato delante mío.
«¡Que iban a venir de América! Siempre hubo patatas», sentenció ella.
«No. Antes se comían castañas. Y también vino de América el maíz». Era la primera vez que tenía clara la sensación de que, gracias al maestro, sabía cosas importantes de nuestro mundo que ellos, los padres, desconocían.

Manuel Rivas, La Lengua de las Mariposas

domingo, 12 de setembro de 2010

La Maternidad


Oviedo é uma cidade pejada de esculturas, de estilos e autorias diversas. Uma das mais conhecidas é esta, “La Maternidad”, de Fernando Botero, que se pode encontrar na Plaza de la Escandalera (mais uma delícia toponímica) e que serve de habitual ponto de encontro aos habitantes locais. Dela, algo me chamou particularmente a atenção: a direcção do olhar desta mãe. Dissemelhante de outros trabalhos artísticos que evocam a maternidade, esta figura materna não atenta no filho, mas olha em direcção oposta. Um olhar, contudo, centrado no filho, evocando vigilância e protecção? Ou o olhar que evoca o direito da mulher, também mãe, a olhar noutras direcções?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Arte suprema

Tenho a impressão de que a única coisa que nos permite olhar este mundo em que vivemos sem asco é a beleza que, de vez em quando, os homens fazem brotar do caos. Os quadros que pintam, as músicas que compõem, os livros que escrevem e a vida que levam. De todas estas coisas a mais rica em beleza é a vida, quando é bela. É a obra de arte suprema.

Somerset Maugham, O Véu Pintado, Edições ASA, 2007, p. 229